O Jardim Arco do Cego é um novo conceito de jardim. Situado no centro de Lisboa, todos os dias centenas de jovens, entre os quais universitários e recém-licenciados, encontram-se neste local. Há quem aponte a cerveja barata como a razão para a preferência deste local, mas na verdade o convívio é o que move o jovem. A história desenrola-se todos os dias de forma idêntica. A narrativa tem início em 2010, e o espaço é o Jardim. As personagens são as únicas que se alteram.
Início da tarde:
O verde de uma grande superfície plana em dia soalheiro sobressai. Ouvem-se os pássaros, os poucos que não são abafados pelo barulho dos carros que circulam nas avenidas transversais. Um pouco depois das 14 horas, começam a chegar os primeiros grupos, aqueles que se fixam durante horas, parecem ser alunos do ensino secundário. Um deles chega animado, são cinco miúdos que com despreocupação vão escolhendo o sítio para se instalarem. Optam por ficar na esplanada do quiosque, ficam ali sentados com um à vontade como se de quem estivesse em casa. Duas raparigas e um rapaz devoram cigarros. Ambos colocam a mão que carrega o cigarro de forma delicada quase como um movimento artístico. Alguns deles pedem as primeiras bebidas: cervejas.
Como surgiu cerveja barata:
Há cinco anos numa altura em que Portugal estava no pico da crise, o Jardim Arco do Cego passou a ser o jardim da cerveja, uma vez que o Instituto Superior Técnico proibiu a venda de bebidas alcoólicas no seu interior. Como consequência, os jovens universitários passaram a procurar os estabelecimentos em redor, entre os quais os do Jardim. A elevada procura levou a que estes cafés tivessem o apoio das cervejeiras, conseguindo cerveja a baixo preço. Em média, um cartão com 11 copos de cerveja custa 5 euros, o que dá aproximadamente 0,45 cêntimos cada uma. Se for comprada à unidade tem um custo de 0,50 cêntimos. Para além, da cerveja também vendem outras bebidas álcoolicas, já o preço destas não pode ser considerado low-cost. Nas traseiras do quiosque, sentadas no muro cinzento que se encontra perto da saída do metro do Saldanha, estão duas raparigas à espera dos amigos. Catarina Roque, aluna do terceiro ano da licenciatura de Comunicação e Jornalismo, da Universidade Lusófona, e Ana Catarina que frequenta o terceiro ano da licenciatura de Psicologia do ISPA. Por hoje, já fecharam os livros, vieram para confraternizar. As duas amigas de longa data, reconhecem que toda a conjuntura do jardim é uma das razões para que este seja o sítio escolhido para ir com os amigos. “O ambiente é bom. Há muito espaço para nos sentarmos, dá para estarmos à vontade com o nosso grupo de amigos. A bebida é barata, a cerveja é das mais baratas em Lisboa”, dizem. Contudo, Catarina Roque admite que “venho para aqui com o objetivo de conviver e não para beber. Quando cá venho bebo uma, duas cervejas.”.
Espírito académico:
A hora vai passando, são quase 16 horas, e estão cerca de 40 pessoas. Os trajados estendem as capas sobre a relva, para que todos se possam sentar. Fazem-se acompanhar por caloiros, apesar de se tratarem pela terceira pessoa, não estão em ambiente de praxe. Dividem-se em três para irem comprar as primeiras cervejas. Regressam ao círculo de amigos, com duas em cada mão, bebem aquelas que carregam na mão direita de pênalti, esqueceram-se que “Mão direita ! Mão direita ! É pênalti !”. Entre copos e baldes, honram o nome da faculdade com cânticos, expõem aos sete mundos onde estudam, são da Universidade Nova de Lisboa, frequentam a licenciatura de Geografia. Passados uns largos minutos começam a estudar o terreno, percebem que é totalmente plano, mas já o sentem com algumas inclinações.
O passado do jardim:
No ar sente-se o cheiro a tabaco e a outros fumos. Este coração verde da cidade começa a encher-se de vivacidade. João Marques e Martim Telles de Pinho, fazem uma torre que conta com 15 copos. Decidiram vir para o Arco para descontrair das aulas. Ambos falam dos pais, Martim, conta que a mãe viveu aqui, “Na altura não era nada do que é hoje. Isto era um estação de autocarros. Totalmente diferente do que é agora”, refere. Podemos facilmente identificar as diferenças como também fazer algumas metáforas. A zona do Arco do Cego acolhia o terminal rodoviário da Rede Expresso. Em 2004, o terminal foi transferido para Sete Rios, o que deixou a descoberto o edifício centenário que albergava os autocarros. Foi então que Câmara Municipal de Lisboa decidiu criar um espaço novo, o Jardim. Com um orçamento de 600 mil euros, tinham como objetivo criar um espaço verde, mais um no centro da cidade. Aquando a inauguração, em 2005, o vereador das Obras Municipais, Pedro Pinto, afirmou que este espaço foi “um compromisso assumido com os moradores” e que trouxe à cidade um conceito de jardim onde “as crianças podem correr à vontade”, um espaço aberto. Na realidade, não foi isso que aconteceu. Atualmente, correm cães, não há sinal de crianças. O conceito é, efetivamente, diferente, mas por ser um dos jardins com a cerveja mais barata de Lisboa.
O novo “cais” ou bairro alto ?
Matilde Saraiva, de 18 anos, frequentadora assídua do Arco do Cego, faz deste local paragem obrigatória antes dos treinos de voleibol. “Já venho para aqui há anos. Por ser perto de casa, por este ser o ponto de encontro de muita gente. De certa forma, o Arco marcou a minha adolescência. É o ponto de encontro para o convívio”, constata Matilde. A jovem admite que este possa ser considerado o novo espaço in de Lisboa. Contudo, descarta a hipótese de ser um espaço que futuramente se equipare ao Cais do Sodré, ou ao Bairro Alto. “Se este passasse a ser um espaço centrado, unicamente, em farra e bebida, perdia a sua verdadeira essência. Eu, e os meus amigos, raramente vimos cá para beber”, termina.
Final da tarde:
O sol de inverno, quase primavera, começa a desaparecer, o frio de fim de tarde já se faz sentir e com ele surge uma enchente. Já passa das 18 horas, a maioria das aulas já terminaram. O horário de trabalho para a maioria das pessoas também já chegou ao fim. Deixamos de ouvir os pássaros, passamos a ouvir o som da multidão aglomerada. O tom das conversas aumenta, há cada vez mais carros a circular nas ruas em redor. Há fila à porta do café. Os copos pelo chão aumentam. Apesar da confusão, ouve-se a guitarra de um rapaz, os jovens em redor cantam ao som da melodia. A uns escassos metros está um artista de rua de suspensórios, com um bigode característico dos anos 20, a fazer malabarismo. O jovem anima as tardes, não pede dinheiro mas aceita o lhe derem. Se vir simpatia nas pessoas que o rodeiam, encanta-as com truques de magia. É o bôbo da corte, no castelo de torres de copos.
Embalados pelo álcool algumas pessoas utilizam os equipamentos de ginástica ao ar livre, exercitam o corpo, testando a mente. Ninguém olha com estranheza, já é tudo normal. Os quatros bancos de jardim estão cheios, os muros que envolvem o jardim também, a relva está composta. O tempo continua a passar, os ponteiros dão mais uma volta ao relógio. Os jovens começam a dispersar. Num dos cantos está um grupo de homens que parecem empresários, estão de fato e gravata. Na realidade, são recém licenciados. Preferem não se expôr, embora reconheçam que este momento no final de um dia de trabalho é essencial, fá-los sentir que ainda são universitários, que não há encargos. Que os hábitos que ganharam nos tempo boêmios de estudantes, ainda se mantêm.
Balanço do dia:
O jardim vai ficando vazio e já se fala onde será o jantar. A maioria prefere o Mcdonald’s e os 100 Mondatitos, não deixa de ser uma ironia acabar por jantar numa cervejaria espanhola, depois de uma tarde a beber cerveja. O dia aproxima-se do fim, pelo menos no Arco do Cego. Dentro de 2 horas os estabelecimentos fecham, no “Café com Nata” faz-se o balanço do dia. No total foram 10 barris: 1 de Somersby, 2 de sangria, e os restantes de cerveja. “Foi um bom dia. Não houve conflitos. E o mais importante, não houve nenhum estado crítico. O INEM hoje teve folga” diz o responsável.
Uns minutos antes das 23 horas, deixamos ‘Arco’, está vazio. O frio aumenta e o relvado está coberto de copos. Chegou ao fim. O bom tempo proporciona o encontro ao ar livre, o Jardim cria o ambiente necessário para o bem-estar, a cerveja barata é apenas um bónus. O importante, é o convívio entre amigos. Estes parecem ser os elementos essenciais para um dia perfeito, para aqueles que vão ao Jardim Arco do Cego.
Conteúdo produzido por: Joana Serralheiro, Maria Beatriz Rocha, Marisa Ferreira e Raquel Rodrigues no âmbito da UC de Comunicação Digital da Licenciatura em Comunicação Social e Cultural.