Erasmus no centro da crise catalã

Francisca Cardoso e Rita Vieira são duas alunas da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, actualmente a estudar em Barcelona ao abrigo do programa Erasmus. Numa região que, nos últimos tempos, tem sofrido de instabilidade política, devido ao desejo de independência, procurámos perceber qual o ambiente que se vive na cidade, assim como o impacto que este conflito tem no dia-a-dia das duas estudantes portuguesas.


Espaço a abarrotar de gente em revolta pela instabilidade política catalã.
Durante as semanas que antecederam o referendo, milhares de pessoas saíram para a rua diariamente como forma de manifesto à sua posição pró-independentista. (CC BY-SA 2.0 – xenaia)

Num período de revolta e contestação sem fim à vista, a Catalunha continua a sua procura pela independência, até ao momento sem êxito. Desta forma, o futuro da região continua uma incógnita. No entanto, apesar do clima conturbado, Francisca Cardoso e Rita Vieira escolheram Barcelona para fazer Erasmus, acabando por viver de perto todos estes momentos que perdurarão na história contemporânea internacional. Aquando do anúncio dos resultados das colocações para o programa Erasmus, ainda se estava longe de imaginar a situação por que passam hoje os catalães. Não é um problema recente, já se indaga sobre a questão da independência há largos anos, mas apenas em 2017 é que se começaram a desenvolver, com alguma rapidez, todos os acontecimentos, que teve o ponto alto (até ao momento) nas eleições do referendo, votado pelo povo catalão, e onde o “Sim” à independência ganhou com clara vantagem. Contudo, o governo espanhol continua a resistir e assiste-se agora a um impasse político que impede a aprovação oficial do referendo.

Factores como a qualidade de ensino que a universidade (Universitat Ramón Llull) lhes proporciona e a atracção da cidade do ponto de vista cultural são dois dos principais motivos que levaram Rita Vieira a escolher Barcelona como destino para estudar durante seis meses. De acordo com a própria, Barcelona “é uma cidade que nos desafia e que nos oferece novas perspectivas”. Já Francisca Cardoso realça o facto da cidade ser muito activa e cheia de luz e energia, mostrando-se muito feliz pela sua escolha. “Hoje sei que não podia ter escolhido melhor. Identifico-me com a cidade em múltiplos aspectos.”

Mas nem tudo é um mar de rosas. Muitos são os aspectos positivos que destacam da cidade, mas o clima de instabilidade também tem impacto nas suas vidas, especialmente a nível universitário. Há uma constante incerteza se teriam aulas ou não, pois muitas vezes os professores decidiam juntar-se às manifestações e muitas foram as aulas canceladas por esse motivo. E quando não eram os professores, eram os alunos que preferiam integrar as multidões em protesto nas ruas. “Já me aconteceu ter uma aula em que só estávamos eu, a Francisca e o professor na sala e tivemos aula na mesma. Depende muito do professor se quer dar a aula ou não”, conta-nos Rita Vieira. Fora do contexto académico, as duas raparigas relatam a presença de um helicóptero que, no período de maior agitação política, sobrevoava a cidade todas as noites, assim como várias pessoas que batiam tachos e panelas nas suas varandas de casa durante quinze minutos, em uníssono, como forma de se manifestarem a favor da independência.

Manifestação em progresso, onde milhares de pessoas erguem bandeiras catalãs e uma tarja de revolta.
“Somos uma nação e temos o direito de decidir”. Catalães manifestam o seu desagrado e o desejo de independência. (CC BY-SA 2.5 – Friviere)

Agora, com os ânimos um pouco mais leves, a realidade académica também se torna menos preocupante. Porém, o ambiente de tensão que se vive em Barcelona ainda é notório, mas tanto Francisca como Rita afirmam que esse clima apenas é visível nos dias de manifestações e de greves, ou seja, nas semanas que antecederam o referendo. Mesmo com esses protestos, alguns deles mesmo à porta da faculdade que frequentam, as alunas nunca sentiram medo: “Nem no dia das maiores manifestações senti medo, os catalães juntavam-se, cantavam, gritavam, com bandeiras e cartazes, mas nunca os vi serem violentos. E o mesmo se passou com os espanhóis em manifestações pró-Espanha”, descreve Rita. “As imagens que passam em Portugal acabam por mostrar uma realidade diferente de quem vive aqui sempre, na maior parte das vezes eram situações específicas levadas como sendo o todo, e não o era”, acaba por concluir.

Desistir nunca fez parte do pensamento de nenhuma delas, muito pelo contrário. Tanto Francisca como Rita consideram que estar a assistir de perto a uma situação histórica como esta é interessante e empolgante, para mais tarde recordar. “No fundo, estamos a viver e ver ao vivo um momento histórico que vai ficar marcado nas nossas memórias. Acabamos por aprender com tudo isto, a ver como as pessoas conseguem ter opiniões tão diferentes sobre esta situação. Por isso, desistir nunca me passaria pela cabeça mas sim tirar o maior partido de tudo isto”, afirma Francisca. Para além disso, segundo nos contam, os habitantes de Barcelona adoram os portugueses, porque consideram que “somos um povo que lutou pela independência e temos aquilo que eles nunca conseguiram”.

O papel da universidade em todo este percurso tem sido também determinante para que os alunos de intercâmbio entendam a realidade vivida na cidade. Desde aulas dirigidas unicamente ao debate sobre a actualidade catalã até à visita ao Parlamento da Catalunha, várias foram as actividades desenvolvidas pela universidade no sentido de criar consciência aos seus alunos internacionais. Também o director da faculdade deu uma palestra aos alunos internacionais, explicando todo o contexto histórico que levou a que o tema da independência seja tão debatido na região, de forma “imparcial e esclarecedora”, ao contrário da guia do Parlamento que, segundo nos contam, deu uma perspectiva “muito pró-independência e demasiado pessoal”.

A entrada da Universidade Ramón Llull, em Barcelona.
Francisca e Rita fazem Erasmus na Universidade Ramón Llull, fundada a 1 de março de 1990 e aprovada pelo Parlamento da Catalunha a 10 de maio de 1991 (CC BY-SA 3.0 – Josep Maria Casals).

Desafiadas a tecer uma opinião pessoal relativa a esta temática, tanto Francisca como Rita mostraram dificuldades em assumir qualquer tipo de posição concreta, desde logo devido ao sentimento da própria população catalã. O pensamento de ambas assenta num movimento que partiu de uma minoria e que, através de diversos factores, conseguiu influenciar a maioria, criando toda esta revolta. Para Rita, depois de os catalães lhes explicarem os motivos “parece que tudo faz sentido“, mas, por outro lado, é-lhe muito difícil identificar-se com a causa, achando que “a maior parte está a agir por impulso e reacção às atitudes de Madrid. Não sabem o impacto económico e social que uma possível independência trará”. Francisca considera que, apesar de estarem a “viver” esta crise catalã, acabam por vê-la de fora. “Ouvimos várias opiniões e diferentes pontos de vista e acabamos por perceber os dois lados. Entendo a vontade dos catalães, mas acho que é tudo muito pouco pensado e impulsivo”, confessa.

O Erasmus, como se sabe, proporciona sempre experiências únicas, liberdade e desenvolvimento a nível pessoal. Contudo, não tem, por norma, este tipo de vivências, em que se vive e se estuda numa zona de revoltas e de manifestações de maneira muito frequente. Francisca e Rita levam isto como algo positivo, que até ajuda a criar ainda mais memórias para, um dia, contar aos filhos e netos sobre aqueles seis meses passados em Barcelona durante a questão da independência da Catalunha. É complicado, por vezes, abstrairem-se do que as rodeia, mas fazem a sua vida normalmente, como qualquer aluno de intercâmbio, aproveitando para conhecer a cidade e novas pessoas de diferentes nacionalidades, visitar museus, divertirem-se na electrizante vida nocturna de Barcelona, viajar para outras cidades e serem responsáveis por si, longe dos familiares e amigos. São independentes num meio que clama essa mesma independência.


Conteúdo produzido por: Beatriz Figueiredo, Diogo Pires, Francisco Rocha, Miguel Almeida e Rodrigo Matos, no âmbito da disciplina de Comunicação Digital da licenciatura em Comunicação Social e Cultural.