O impacto das tecnologias na família

Com a contínua evolução tecnológica, o modo como nos comportamos em família tem vindo a alterar-se. As conversas são substituídas por likes e os afetos deixam de existir. Serão estas as novas relações familiares do futuro?

Hoje em dia sabemos que as chamadas “Novas tecnologias” são consideradas controversas, por terem afetado radicalmente a forma como vivemos a nossa vida. Atualmente lidamos com este problema  que pode recondicionar a forma como vivemos e como interagimos com os outros. Este problema também afeta famílias. Estamos a viver tempos em que já existem famílias em que, na grande maioria, se não mesmo todos os membros da mesma, já são “fluentes” nesta nova linguagem tecnológica. Mas será este novo panorama uma realidade em que queremos viver ou criar as nossas famílias?

Para melhor compreendermos esta situação, decidimos entrevistar duas pessoas de campos profissionais diferentes, Maria Madalena Rabaça uma psicóloga com Mestrado em Psicologia dos Recursos Humanos, do Trabalho e das Organizações e Alexandre Duarte,  professor auxiliar na Universidade Católica Portuguesa, com Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho.

 A psicóloga Maria Madalena Rabaça, a nossa primeira entrevistada, desenvolveu uma tese de mestrado cujo tema é particularmente pertinente: “Satisfação com a vida, satisfação com os papéis de vida e o conflito trabalho-família: o efeito mediador da perceção de responsabilidade social”, daí a escolha da mesma, visto estar “por dentro” do tema em questão.

Quando questionada pelas razões por detrás da sua escolha profissional a própria confessou-nos: “Desde cedo a Psicologia foi uma certeza, mas foi pela área do Trabalho e dos Trabalhadores que o interesse despertou ao longo de todo o percurso académico. O mundo do trabalho tem muito mais para ser estudado a nível psicológico do que o que as pessoas imaginam. É nestes momentos de “crise” pelo que estamos a passar que surge a importância da saúde mental e dos métodos a implementar para tornar o bem-estar das pessoas uma prioridade.”

E é esta mesma “crise” que nos levanta questões relativamente a esta realidade familiar que hoje temos. Ao que nos levou a primeira pergunta da nossa entrevista.

Foto da psicóloga Madalena Rabaça
“O mundo do trabalho tem muito mais para ser estudado a nível psicológico do que o que as pessoas imaginam.” refere Madalena Rabaça. Foto © Madalena Rabaça

“Deveria existir um balanço entre o que é o Eu e o que é a rede social do Eu.”

– Madalena Rabaça

Acha que o atual estilo de vida em que estamos sempre online mudou a dinâmica familiar como a conhecíamos?

Madalena Rabaça – O facto de estarmos constantemente on-line faz com que, por um lado, se diminuam as fronteiras no que diz respeito às distâncias (familiares que moram longe ou que estão fora do país), mas por outro lado, o estar sempre on-line faz com que se perca o sentido de família reunida. Os pais deixam de dar atenção plena aos filhos e vice-versa. A comunicação perdeu-se para a escrita. O tempo é totalmente desaproveitado.

As redes sociais e as novas tecnologias vieram beneficiar ou prejudicar as relações nas famílias?

MR – As redes sociais, a meu ver, vieram complicar as relações pessoais no sentido de tornarem confuso o que é o certo e o que é o errado. Vive-se de aparências e o Eu constrói-se através daquilo que os outros esperam que nós sejamos e não daquilo que somos realmente. Deveria existir um balanço entre o que é o Eu e o que é a rede social do Eu.

Como podemos retirar o melhor desta situação tecnológica para o bem-estar da família?

MR – Como disse anteriormente, se existir um balanço entre o que é positivo e o que é negativo, entre o que nos ensina e o que nos prejudica, penso que poderá ser bom para o ser humano toda a evolução tecnológica. Pode ajudar-nos a crescer a nível académico, laboral, e relacional, mas terá sempre de existir um meio termo.

“Deve valorizar-se a comunicação e a linguagem corporal que a acompanha. Deve questionar-se, ter curiosidades, explicar, rir, jogar…”

– Madalena Rabaça

Que tipo de comportamentos devem ser evitados para evitar um mau ambiente familiar?

MR – O comportamento a evitar será, acima de tudo, estar preso à tecnologia enquanto se reúne em família. Telemóveis, pc’s e tablets deverão estar o máximo guardados nestes momentos. Deve valorizar-se a comunicação e a linguagem corporal que a acompanha. Deve questionar-se, ter curiosidades, explicar, rir, jogar…

Acha que ainda se pode “salvar” as famílias ou esta evolução tecnológica já se entranhou ao ponto de não haver retorno?

MR- A meu ver ainda há esperança! No entanto, há muito trabalho a fazer. Tem de haver muita disponibilidade, não só do lado dos filhos, como do lado dos pais. Tem de existir um esforço de ambas as partes. Criar um ambiente propício para que a tecnologia não seja necessária e não sirva para “tapar buracos de afectos”.

Tal como a nossa entrevistada refere, este problema atual pode ainda ser solucionado. De facto, ainda existe esperança. Contudo, as famílias não devem descurar as suas relações “cara-a-cara” em detrimento das que estabelecem por meio tecnológico. Um bom ambiente familiar é e sempre vai ser a base para sermos melhores pessoas.

Foto do professor Alexandre Duarte
“As conversas, as relações, as próprias expressões de carinho e de cumplicidade são afetadas, menosprezadas, e acabam por definhar” acrescenta Alexanadre Duarte. Foto © Alexandre Duarte

“As conversas, as relações, as próprias expressões de carinho e de cumplicidade são afetadas, menosprezadas, e acabam por definhar.”

– Alexandre Duarte

Já o nosso segundo entrevistado, Alexandre Duarte , traz-nos uma perspetiva mais “negra” dos efeitos da tecnologia na estrutura familiar. De forma a aprofundar a análise do tema em destaque, elaborámos um conjunto de questões que visam expandir o nosso leque de informação sobre a tecnologia, e o modo como esta impactua a dinâmica familiar.

Alexandre Duarte para além da formação académica já referida anteriormente, é também Mestre em Comunicação e Imagem e licenciado em Marketing e Publicidade pelo IADE, é Regente de várias UC’s na Universidade Europeia, professor convidado em diversas Universidades, investigador do CECS da Universidade Minho e Coordenador de curso OFICINA de PORTFOLIO™.

Para o nosso segundo entrevistado, elaborámos um conjunto de questões que nos permitiram refletir não só sobre a dependência tecnológica nas famílias, mas também sobre os eventuais perigos da tecnologia. Eis a primeira questão:

Na sua opinião, de que modo é que a dependência tecnológica poderá estar a alterar a dinâmica familiar, atualmente?

Alexandre Duarte – Por definição, todas as dependências são prejudiciais. Porque implicam uma relação de submissão, de se precisar de algo, de se necessitar de alguma coisa. E estas “novas” dependências, ou melhor, estas dependências das “novas” tecnologias são eventualmente ainda mais perigosas que todas as que conhecíamos anteriormente, por duas principais razões. Desde logo, porque ao contrário do álcool, do tabaco ou das drogas – para citar apenas as mais faladas – são aceites socialmente, i.e., não são alvo de reprovação social. Por outro lado, são “gratuitas” e de (cada vez mais) mais fácil acesso. Mas, como todas as dependências, quem delas depende, vicia-se e, desse modo, coloca-a à frente de tudo e de todos. Há que satisfazer o vício primeiro, só depois vem tudo o resto. Acontece que o “resto”, nas nossas vidas, é o principal, é o mais importante. Como as relações pessoais, o trabalho, as amizades, o ócio, o lazer e, claro está, a família. Tipicamente – e infelizmente – a família é normalmente a primeira baixa nas dependências. Neste caso, não foge à regra. As conversas, as relações, as próprias expressões de carinho e de cumplicidade são afetadas, menosprezadas, e acabam por definhar.

“A substituição da força de trabalho humano pela máquina (…) vai gerar milhões de desempregos, que a sociedade global não conseguirá absorver, causando uma catástrofe social.”

– Alexandre Duarte

Apesar das vantagens indiscutíveis que a tecnologia traz para a sociedade, quais são, de acordo com a sua perspetiva, os principais perigos que a sociedade poderá estar a incorrer, servindo-se constantemente de meios tecnológicos?

AD – Encontro vários perigos na utilização massiva da tecnologia, principalmente quando não devidamente enquadrada e controlada. Desde logo, nas relações pessoais. O ser humano é um ser social por definição. Uma das consequências do uso excessivo das tecnologias é essa dissolução dos contactos interpessoais, que se tornam cada vez mais virtuais, e cada vez menos presenciais. Cada vez mais efémeros e menos profundos. Cada vez mais através de emojis sorridentes e menos de afetos reais. Outra consequência ocorre no mundo profissional. A substituição da força de trabalho humano pela máquina (mais rápida, mais eficiente, sem folgas, sem fins-de-semana, sem reclamar aumentos, sem doenças nem faltas, enfim) vai gerar milhões de desempregos, que a sociedade global não conseguirá absorver, causando uma catástrofe social. Outro aspeto, muito sensível para mim, está relacionado com a educação/formação das novas gerações. Habituadas a aceder à informação através de um clique, a ter virtualmente todo o conhecimento ao seu dispor, as novas gerações desabituaram-se de estudar, de investigar, que querer saber, descobrir, inventar. A facilidade extrema tende a torná-los eventualmente mais preguiçosos mentalmente, menos lutadores, mais acomodados. E isso, temo, pode criar um futuro de humanos tão dependente da máquina e da tecnologia que, se ela por algum motivo faltar, o ser humano não saberá, literalmente, (sobre)viver. Finalmente, mas não menos importante, é o risco da inteligência artificial se tornar, ela própria, autonomamente inteligente, i.e, com capacidade para decidir, para se instruir, para aumentar as suas próprias competências e, consequentemente, o seu poder. E o mais assustador é que este futuro pode não estar assim tão longínquo quanto poderíamos imaginar.

De facto, como o nosso segundo entrevistado refere, o cenário atual, mais do que preocupante, é pouco sorridente. Para que as famílias sobrevivam à imposição da tecnologia, devem repensar hábitos errados que praticam. É necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre, por um lado, a usabilidade que fazemos da tecnologia e, por outro, o modo como nos comportamos em família. As tecnologias devem complementar a nossa vida, mas não podem substituir o contacto direto com o outro. A família vem sempre primeiro que uma notificação.


Conteúdo produzido por Ana Sofia Santos, Diogo Correia, Isabel Gonçalves Lopes, Margarida Calheiros, no âmbito da disciplina de Comunicação Digital da licenciatura em Comunicação Social e Cultural.

Foto de capa.Multiethnic family spending time together on couch with gadgets. Foto © Ketut Subiyanto