Crise Catalã: Opiniões na FCH

A situação política em Espanha adensa-se com o passar das semanas e o desenrolar do conflito entre as duas partes — a Catalunha e o Estado espanhol — não permite antever um fim que esteja para breve. Sobre este assunto, trazemos a opinião de dois professores da Faculdade de Ciências Humanas, da Universidade Católica Portuguesa: o professor José Miguel Sardica — historiador e docente da disciplina de História Contemporânea — e o professor Antonio Chenoll — espanhol, natural de Valência, e docente de Língua Espanhola. O que a opinião destes dois docentes nos traz permite-nos, de certa forma, ter acesso à análise da situação política na Catalunha de dois pontos de vista diferentes:  o histórico-político de um cidadão português e o de um cidadão espanhol, a viver em Portugal.


Uma das questões mais prementes neste assunto está relacionada com as consequências que a independência catalã poderá ter para Portugal e para a Europa. «A realizar-se, a independência catalã trará sempre mais problemas do que benefícios», considera o professor José Miguel Sardica. «Para Portugal, uma Catalunha independente significaria um cenário de fragmentação ibérica que o faria deixar de ser um dos dois, ou o outro (visto de Espanha) país da Península Ibérica, como que reduzindo a singularidade portuguesa no espaço peninsular», comenta ainda o professor. Além disto, importa ter também em conta as «sérias incertezas económicas e empresariais que daí adviriam, com repercussões imediatas no mercado português». Uma Catalunha independente poderá servir também de «foco secessionista mimetizável» para outras regiões autónomas em países europeus, como a Escócia e Gales no Reino Unido, a Lombardia em Itália ou a Occitânia em França. De acordo com o professor Sardica, o separatismo catalão é demonstrativo ainda da «falência da “solidariedade” presente na própria ideia de “Europa”, porquanto cava fundo a fronteira entre os mais ricos e os mais pobres, assim separados por novas barreiras políticas que pouco trariam de bom».

Catalães elevam as bandeiras na rua em protesto independentista.
Manifestantes reúnem-se nas ruas da Catalunha para expressarem o seu descontentamento com a situação política. (CC BY-SA Josep Renalias – Lohen11).

O professor Antonio Chenoll, por sua vez, enquanto espanhol, vê «o processo independentista com preocupação e alguma ansiedade pela forma como vai ser resolvido». Acredita, porém, que «os cidadãos querem chegar a um acordo político para que a Catalunha possa sentir-se à vontade com o resto das outras identidades espanholas» e que «do ponto de vista da classe política», «ambos os lados estão a tirar partido desta situação para conseguir rendimento eleitoral». Considera ainda que «a parte catalã está a tentar criar uma narrativa de heróis nacionais, detidos pela polícia e feitos presos políticos», mas que «em Espanha há consciência democrática profunda» e qualquer pessoa pode manifestar-se a favor da independência. É, no entanto, notório que Espanha está a passar por uma crise identitária, em grande parte devido às múltiplas identidades que se concentram num só Estado unitário. «É um grande país com bipolaridades muito marcantes», comenta o professor Chenoll, que crê estarmos neste momento «a ver a história a ser mudada», isto é, que «Espanha terá um antes e um depois desta crise e a maneira como esta irá ser resolvida irá marcar como entendemos Espanha». O facto de a sua segunda língua materna ser o catalão permite-lhe ter acesso a algo que a maioria das pessoas não tem: a visão dos dois lados do conflito, sem intermediários. Lê com interesse quer os jornais nacionais espanhóis, quer os jornais independentistas, sem barreiras linguísticas, e, por viver em Portugal, tem também acesso à perspectiva das notícias portuguesas.

O símbolo máximo do independentismo catalão.
O símbolo máximo do independentismo catalão: a bandeira da Catalunha. (CC 0).

Questionado sobre o possível impacto da independência catalã nas outras comunidades autónomas de Espanha, o professor Sardica menciona o cenário mais temido pelos europeus: a balcanização, isto é, a fragmentação de Espanha de forma semelhante ao sucedido na península balcânica. A este cenário o professor acrescenta ainda um outro: a abertura da possibilidade de outras comunidades autonómicas entrarem na «barganha política para, em tesão com Madrid, obterem ganhos de autonomia que talvez o aparelho institucional espanhol, e a sua própria economia, não possam acomodar».

Tal como a Catalunha tem uma identidade própria, com raízes históricas — a nível cultural, linguístico ou mesmo geográfico —, também outras comunidades autónomas espanholas o têm: é o caso do País Basco, da Galiza, ou da Comunidade Valenciana, entre outras. Sendo originário de Valência, o professor Chenoll descreve a Comunidade Valenciana como «uma comunidade rica e próspera que tem uma relação de amor-ódio com a Catalunha» — uma região que «tem muitos interesses em Valência e vice-versa». «Dependemos muito uns dos outros. Se cair uma, caem todos», atenta Antonio Chenoll, afirmando ainda que «este é um dos motivos pelos quais muitos cidadãos pensam que se devia fazer um referendo que incluísse toda a Espanha», porque é precisamente sobre todo o povo espanhol que recai o peso da decisão sobre a independência. Além disto, o professor alerta ainda para que não nos esqueçamos de «que há uma  grande parte da Catalunha que quer ficar em Espanha» e que essa parte, que tem sido «completamente ignorada no processo de independência», deve ser tida em conta e ser protegida quer pelo Estado espanhol, quer pelo próprio governo catalão.

Para ambos os professores, todavia, a solução passa pelo diálogo e pela procura do entendimento entre as duas partes. Para o professor Chenoll, o que há a fazer é «convencê-los (os catalães) através do diálogo e do entendimento mútuo de que é com o conjunto de comunidades autonómicas que a Catalunha teve, tem e terá o seu lugar». Para o professor Sardica, «haverá que fazer sentar as partes à mesa, a benefício da unidade do Estado espanhol, que todos, catalães incluídos, aceitaram em 1978 e, depois, perceber que novas modalidades poderão reconciliar o diálogo Madrid-Barcelona».

Representação animada da instabilidade política vivida em Espanha.
O independentismo catalão representado enquanto bomba com explosão iminente sobre a unidade espanhola. (CC 0)

A questão do independentismo catalão não é, porém, um caso isolado na situação política europeia. As comparações com a decisão referendada da saída do Reino Unido da União Europeia — o chamado Brexit — surgem com naturalidade. Esta foi uma decisão em grande parte influenciada e motivada por campanhas populistas e pela «pouca atenção ou esclarecimento das opiniões públicas», observa o professor Sardica: algo que transforma «as consultas populares — em si mesmas bons instrumentos de democracia “direta” — em plebiscitos emocionais». Torna-se, portanto, importante considerar que impacto têm estas decisões precipitadas, embora legais e teoricamente conscientes aquando do momento do voto, sobre o destino de um povo. Decisões em que se pergunta «”o quê”, para uma escolha maniqueísta entre o Sim e o Não, mas não se esclarece nem o “porquê”, nem, sobretudo, o “como”», atenta o professor José Miguel Sardica.

Parece ser da máxima relevância, então, perguntarmos qual o rumo que tem vindo a ser tomado pelas sociedades ocidentais, particularmente, e qual o rumo a tomar no futuro, como conclusão a retirar das recentes e recorrentes provas da falibilidade de órgãos democráticos, da liderança política e até mesmo dos meios de comunicação social, agentes fundamentais na defesa da democracia, enquanto formadores da opinião pública — isto porque a História nos pode contar, com alguns exemplos ainda bem conservados na memória europeia, o que pode acontecer quando tudo isto é tratado com negligência.


Conteúdo produzido por Francisco Cambim, Tânia Oliveira, Beatriz Rodrigues, Sara Nascimento e Tiago Sardo, no âmbito da disciplina de Comunicação Digital, da licenciatura em Comunicação Social e Cultural.