Direitos de transmissão futebolística em «Guerra»

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Ver futebol em casa é um hábito que está a mudar a olhos vistos em Portugal. Atualmente, a Sport TV e a Eleven Sports estão em “guerra aberta” pelos direitos de transmissão televisiva dos jogos de futebol profissional. Com a chegada da segunda a Portugal, desde setembro, cada português passou a ter de pagar mais 10€/mês para ver o conteúdo que já via outrora. No entanto, o problema não é de agora, e já se podia prever o desfecho em que o consumidor ia acabar por ter de pagar mais pelo mesmo conteúdo. O Digital Hub foi tentar perceber a cronologia que conduziu ao estado atual do desporto na televisão portuguesa, o status quo, e com o que o adepto de futebol pode contar nos próximos anos.


Wembley Stadium, Londres
Wembley Stadium, Londres (Créditos: CC0)

Direitos de Transmissão no Futebol Português: concessão e exploração

Primeiro, é pertinente esclarecer o significado, quer na teoria, quer a nível prático, o que a transmissão dos jogos de futebol pode refletir para um clube português.

Um clube desportivo, ciente do seu valor de mercado televisivo a nível nacional, pode ceder o direito de exploração dos seus jogos em casa – únicos sobre os quais têm, obviamente, direitos – a uma empresa. Essa empresa, ou Sociedade Anónima (S.A.), normalmente, será dona de um canal (e.g. Olivedesportos, S.A. é dona da Sport TV) ou de uma operadora de telecomunicações (e.g. NOS, MEO, Vodafone), conseguindo, assim, garantir a exclusividade da transmissão dos jogos de futebol. Exclusividade esta que é, precisamente, a chave para o lucro das operadoras ou canais televisivos.

O futebol, a par das telecomunicações, são dois mercados que crescem anualmente de forma exponencial. Pelo que são dois mercados com um potencial inqualificável no que a retorno financeiro após investimento diz respeito.

O modelo ortodoxo dirá que todos os clubes do primeiro escalão do futebol português venderão os seus direitos de transmissão, porque, a nível prático, os direitos de transmissão dos jogos de futebol são, possivelmente, a maior fonte de rendimento de um clube desportivo. E, normalmente, estes mesmo direitos eram vendidos à Olivedesportos, detentora do grande monopólio de transmissão desportiva em Portugal. Claro que há um modelo além do ortodoxo, e existe a opção de não ceder nem vender a transmissão dos jogos, explorando os próprios jogos por conta própria. O Sport Lisboa e Benfica, clube mais titulado na história do futebol português, foi embrionário; constatou que existia uma oportunidade para lucro, e começou a «destronar» o monopólio da Sport TV.

Benfica TV passa a transmitir os jogos dos «encarnados» no Estádio da Luz (2013)

O primeiro passo rumo à mudança de paradigma que hoje vivemos começou quando Luís Filipe Vieira admitiu, em outubro de 2012, que, caso fosse reeleito para a presidência do Benfica, não tencionava renovar um contrato com a Olivedesportos que permitia a continuidade da concessão dos direitos de transmissão dos jogos caseiros das «águias». Pretendia, sim, expandir a marca do S.L. Benfica no mercado, e, desta feita, no panorama da televisão em Portugal.

Um ano depois, cumpre a promessa eleitoral. O modus operandi do Presidente do Sport Lisboa e Benfica fez com que, a partir de setembro de 2013, a Benfica TV passasse a ser um canal subscrito – preço que se mantém até hoje, de 10€/mês – e os adeptos só poderiam assistir aos jogos para o campeonato dos «encarnados» no canal do clube. A investida do Benfica neste mercado não ficou, porém, por aqui…

Sport TV perde a Premier League e a Serie A (2014)

Na temporada seguinte, em setembro de 2014, a Benfica TV eleva ainda mais a fasquia; ultrapassa a Sport TV na corrida à transmissão da Premier League inglesa e da Serie A italiana em Portugal, garantindo ainda a exclusividade dos jogos caseiros do Farense, clube que defende as suas cores na Segunda Liga Portuguesa. Esta foi uma medida que garantiu à Benfica TV um volume muito elevado nas suas subscrições por parte de adeptos benfiquistas… e não só. Assim o confessa Filipe Mesquita, que conta com 26 anos de sócio do Sporting , eterno rival dos «encarnados»:

“Apesar de ser ferrenho do Sporting, não queria parar de ver os jogos da Premier League. É o melhor futebol do mundo e achei que pelo quase simbólico preço de 10€ por mês, recompensava. Por isso, subscrevi o serviço dos rivais. No entanto, assim que pararam de transmitir a Liga Inglesa, cancelei a minha subscrição.”

Filipe Mesquita, sportinguista e assinante da Sport TV

Filipe Mesquita, sportinguista e assinante da Sport TV, junto à porta do seu roupeiro decorado com inúmeras lembranças de futebol
Filipe Mesquita, sportinguista e assinante da Sport TV (Créditos: Diogo Dá Mesquita)

Os presidentes dos rivais, Pinto da Costa (FC Porto) e, à altura, Bruno de Carvalho (Sporting CP) acusaram o Benfica de competição desleal face à realidade do futebol português por estar a tomar estas medidas. Alegadamente, os «três grandes» de Portugal tinham averbado um acordo de boa fé em que garantiam que todos lucrariam o mesmo com a venda destes direitos, bem como com o patrocinador principal das camisolas. Certo é que, mais cedo ou mais tarde, o panorama ia mudar, e o Presidente das «águias» apenas se serviu a priori dessa mesma mudança inevitável. Não obstante, ao fim de duas épocas desportivas, a Sport TV «recupera a Premier League», e aumenta os preços da sua subscrição. Porém, os acontecimentos que se avizinhavam em 2016 iam mudar, para sempre, a transmissão dos jogos de futebol em Portugal, e repercutiam diretamente o produto do português enquanto consumidor.

"Camera man" acompanha e filma o jogo
A pessoa que nos transmite as alegrias e tristezas do desporto rei (Créditos: CC0)

Contratos milionários com a NOS e MEO (2016)

Quando no final de 2015 começaram a surgir rumores de contratos multimilionários oferecidos pelas maiores operadoras de telecomunicações em Portugal aos «três grandes», jamais se julgava que os negócios atingissem os valores verdadeiramente estonteantes que acabaram por ser fechados.

A NOS e MEO (atualmente denominada Altice), aproveitando o tal potencial de mercado já acima referido, sondaram os clubes para contratos de exclusividade na transmissão dos jogos de futebol. Sondagem esta que se veio a concretizar e originou, então, uma soma total de €915 milhões investidos pela NOS no Sporting e no Benfica e de €457,5 milhões investidos pela MEO no FC Porto. Com condições muito semelhantes para os três gigantes do futebol português, estes visam, principalmente, a cedência dos direitos de transmissão dos jogos em casa, os outros contornos dos negócios podem ser verificados na notícia do SAPO.

Como é que este negócio vai, no entanto, influenciar o consumidor? No imediato, de nenhuma forma. A NOS e a MEO, detentoras a partir do dia 1 de julho de 2018 dos diretos de transmissão, acabaram por vender os direitos à Olivedesportos, e sendo que a Sport TV consta na grelha de canais de ambas as operadoras, o consumidor acabou por não ficar afetado. A menos que seja cliente da «quarta» operadora de telecomunicações em Portugal, a NOWO…

Chegada da Eleven Sports a Portugal (2018)

Depois de setembro de 2018, o desporto na televisão portuguesa muda drasticamente. Eleven Sports, grupo multinacional de canais de desporto sediado no Reino Unido, entrou em Portugal de rompante e causou um «tremor de terra» no mercado dos canais de desporto pagos. O que mais motivou esta mudança foi a ultrapassagem à Sport TV na corrida aos direitos de transmissão da Liga dos Campeões. 

Este acontecimento desencadeou algumas reações de parte a parte, que influenciaram a opinião pública acerca dos, agora, dois principais canais de desporto pagos.  Em concreto, numa entrevista da Lusa em que o CEO da Sport TV, Nuno Ferreira Pires, afirma «não estou preocupado» com a entrada da Eleven em Portugal.

«Não temos a Champions, mas temos uma coisa que nos parece que este ano vai ter um valor muito, muito maior, que é a Liga Europa.»

Nuno Ferreira Pires, Chief Executive Officer da Sport TV

Acima de tudo, o que despoletou o descontentamento de assinantes da outrora monopolista Sport TV, foi a decisão de Nuno Ferreira Pires em não reduzir os preços da assinatura mensal do canal, que continua fixado nos €30 mensais. De ressalvar que o canal perdeu não só a Liga dos Campeões, mas também a La Liga espanhola, a Bundesliga alemã, a Ligue 1 francesa, e, noutras andanças além do futebol, perdeu também a NFL (National Football League), de futebol a americano.

Em entrevista ao Digital Hub, João Malha, Communications Manager da Eleven Sports, afirma que o «feedback do mercado tem sido positivo, como os números que temos anunciado o atestam. Temos várias dezenas de milhares de subscritores (…)». Acrescenta ainda que «os canais têm um custo mensal de apenas 9,99€, pelo que acreditamos que temos um preço muito competitivo na realidade portuguesa.»

O grande senão, atualmente, é ainda a tal «guerra aberta» entre Sport TV e Eleven Sports, que impede a segunda de se afirmar no mercado com todo o fulgor com que, com certeza, ambicionavam.

Sport TV vs. Eleven Sports

De momento, e apesar de Nuno Ferreira Pires falar de «competição saudável», tem-se verificado uma verdadeira troca de atitudes hostis entre os concorrentes pelo primeiro lugar no mercado. Por enquanto, a liderança no rating, apesar do custo mensal de €30/mês, continua a ser da Sport TV.

Eis a problemática principal para um dos lados da guerra: a Eleven Sports não está na grelha de canais das grandes operadoras televisivas, sendo, aliás, um canal exclusivo da NOWO companhia sucessora da antiga Cabovisão. A única forma que os subscritores têm de ver o competitivo conteúdo apresentado pela Eleven Sports, é por via streaming on-line, o que afasta incontáveis potenciais clientes dos seus serviços. João Malha, adereça o assunto, em conversa com o Digital Hub:

«Decorrem negociações com os operadores e esperamos que as mesmas possam ficar concluídas com sucesso no menor espaço de tempo (…). A concorrência traz, por norma, benefícios aos consumidores, pois contribui para uma maior competitividade de preços (…) mas isso dependerá essencialmente dos valores que outros players praticam que não sofreram qualquer alteração até à data.»

João Malha, Communications Manager da Eleven Sports

Em claro tom de provocação à concorrência, a posição oficial da Eleven não se coíbe de se orgulhar nos seus preços e por ter entrado no mercado, e dirige as culpas do português pagar mais pelo mesmo à Sport TV, que se retirou recentemente da grelha da NOWO. A operadora portuguesa acusa «deslealdade do canal», porque esta medida retira, evidentemente, potenciais clientes de assinatura com a mesma, sendo a Eleven Sports um fator eventualmente decisivo. A Sport TV riposta, alegando o não pagamento de dívidas no valor de €4 milhões por parte da NOWO para com a Olivedesportos, segundo noticia o Observador.

Onde fica, no meio de toda esta guerra, o consumidor?

A televisão desportiva na ótica do consumidor

A realidade é que o status quo não deixa ao adepto de futebol muitas opções viáveis, visto que terá sempre de fazer escolhas. Verifique o leque de opções de canais premium:

  • Sport TV, €30/mês – Todo o futebol português (excepto jogos caseiros do Benfica); todo o futebol inglês; todo o futebol italianoLiga Europa; Taça do Rei (espanhola); Taça da Alemanha; variados desportos (NBA; ATP e WTA, desportos motorizados, golfe, WWE, UFC, etc.). Disponível na NOS, MEO e Vodafone;
  • Eleven Sports, €10/mês – Liga dos CampeõesLa Liga espanhola; Bundesliga alemã; Ligue 1 francesa; Liga Escocesa; NFL futebol americano; Liga espanhola de Basquetebol. Disponível exclusivamente na NOWO ou via streaming on-line;
  • BTV, €10/mês – Exclusivo dos Jogos do Benfica no Estádio da Luz; exclusivo de todos os jogos de todas as modalidades no Pavilhão da Luz; exclusivo de todos os jogos de formação do Centro de treinos do Seixal. Disponível em todas as operadoras.

O que o futuro, a nível de jornalismo desportivo premium, reserva ao consumidor continua incerto. A melhor solução passará, em princípio, por integrar todos os canais na mesma operadora, para que o adepto de futebol possa, finalmente, voltar a assistir a todo o conteúdo que pretende no conforto do seu sofá e à distância do comando da televisão. Negociações que não se adivinham fáceis. No estado atual, esse conforto é impraticável por dissidências entre dois gigantes que disputam um mercado que se torna, diariamente, mais competitivo. O objetivo deve ser dar o melhor produto, pelo mais competitivo preço, ao consumidor. O que, hoje em dia, não se verifica.


Fotografia de capa: CC0


Conteúdo produzido por Catarina Martinho, Diogo Dá Mesquita, Duarte Laranjo, Filipe Teixeira e Luís Reis, no âmbito da disciplina de Comunicação Digital da Licenciatura de Comunicação Social e Cultural.