Caminhos para Veganismo

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Ser vegan nos dias que correm, apesar de cada vez mais recorrente, continua a ser algo confuso para quem não tem acesso a informação sobre o assunto. Conheçam aqui o percurso de dois trabalhadores-estudantes da FLUL pelo veganismo. Aquando do maior festival vegan da Europa, a Constança e o Fernão, partilharam connosco as suas decisões individuais e perspectivas sobre as suas experiências, tentando esclarecer potenciais dúvidas que possam surgir quanto a este estilo de vida.


Comida vegan
Hambúrguer de sementes, quinoa e feijão preto, salada, “naan” de espinafres e sementes (Créditos: Mafalda Mendes Pinto)

Há quanto tempo és vegan? Quais foram os motivos que levaram a esta escolha de estilo de vida? Qual o processo de mudança?

Constança: Sou vegan há aproximadamente dois anos, embora tenha sido um processo que demorou algum tempo. Houve vários motivos que me levaram a tomar esta decisão, mas o primeiro foi a minha própria saúde. Eu não era uma pessoa com consciência de todos os males que a alimentação podia trazer, ou benefícios, e comecei a ter problemas de saúde, tudo indicava que tinha certas intolerâncias alimentares.

Estas intolerâncias provocavam-me por exemplo, crises de acne, mal-estar, problemas de estômago, entre outros. À medida que fui cortando em lacticínios e outros alimentos, comecei a questionar-me o porquê deles me fazerem mal. Fui investigar sobre o assunto e apercebi-me que a indústria alimentar nem sempre é como deveria ser, o que me indignou, e o que começou então por ser uma escolha pessoal de saúde, passou também a ser uma espécie de revolta contra a falta de informação, a favor dos direitos humanos e claro uma luta contra a desigualdade.

No sentido em que me parece descabido alimentarmos os animais que vamos consumir com produtos que nos podiam alimentar a nós e que leva ainda a um excesso de consumismo de produtos animais, isto é, principalmente, no mundo ocidental, europeu, norte-americano. Ou seja, apesar de ter decidido ser vegan por mim, hoje-em-dia mantenho-me vegan por outras causas como as que referi, e sobretudo, a nível ecológico.

Pois, para criar e manter o gado, é necessário gastar muita água e energia. Há ainda a questão do gás produzido pelas vacas, o metano, um gás muito nocivo à camada de ozono, a utilização de terrenos maiores para o gado que não seria necessária caso contivesse vegetais etc…

Fernão: Sete anos. Foi uma escolha espiritual e principalmente a favor da não agressão. O processo de mudança passou por uma transição em que ia fazendo períodos sem comer qualquer tipo de produtos animais. Depois fui vegetariano durante seis meses/um ano e então tornei-me vegan.

Consideras que seja um sacrifício?

Constança: Para mim não é um sacrifício, até porque eu desde pequena que não adoro carne, não adoro produtos lácteos, sempre fui bastante consumidora de leguminosas…

No entanto, é muito difícil às vezes face aos outros, não me custa cortar com produtos animais, é a forma mais fácil para mim de lutar contra o que considero importante. Porém, sinto uma relutância ao dizer que sou vegan, evito, porque há muita gente ainda que tem más reacções e sinto-me atacada.

Fernão: Não é, nem nunca foi um sacrifício. E no dia em que se tornar, deixo de ser vegan. Até lá…

Que dificuldades e facilidades encontras no teu dia-à-dia? Em termos de aceitação das pessoas que te rodeiam, mas também de encontrar quem te forneça produtos.

Constança: Foi evoluindo, à medida que vão tomando mais consciência e que se vão informando mais acredito que vão compreendendo e aceitando mais. Continua sempre a ser uma dificuldade, até mesmo a nível familiar, ora acham que é uma fase ora simplesmente não percebem. Mas vejo uma evolução positiva.

No entanto, impõe se enquanto facilidade porque gasto menos dinheiro e acabo por comer menos no sentido em que trago comigo fruta, frutos secos etc. E apesar de ter de trazer, à medida em que se torna um hábito preparar em casa, deixa de ser uma chatice, passa a ser uma rotina e também habituei o meu corpo que de facto não preciso de comer a toda a hora como é um grande hábito português.

Fernão: As dificuldades que encontro no meu dia-à-dia estão maioritariamente ligadas a situações em que estou na rua sem nada comigo para comer e ou não conheço o sítio ou simplesmente não encontro nenhum lugar com acesso directo a algo que possa comer. Evidentemente no supermercado ainda arranjo qualquer coisa, mas se não os houver por perto não encontro, por exemplo, em cafés grande opção. Raramente cafés têm manteigas vegetais, ou doces vegan sequer e acabo por comer um pão simples acompanhado de café…

Mas em termos de aceitação, as pessoas com quem me dou realmente aceitam e aquelas com quem me cruzo e talvez não conheçam tão bem, se não aceitam geralmente é mais por falta de informação, mas é de se notar que as coisas mudam e evoluem muito rapidamente. Se for várias vezes ao mesmo sítio comer, passado muito pouco tempo vai-se a ver e foram arranjando mais e mais coisas que eu posso comer.

Lisboa é na tua opinião uma cidade propícia para o veganismo?

Constança: Em dois anos consigo sentir uma diferença brutal, acho que está sem duvida a ter uma evolução rápida e de enorme escala. Por um lado, tenho certos receios quanto ao facto de ser considerado uma tendência, pois acho que as tendências passam, e não é esse o objectivo do veganismo mas sim que seja um estado de consciência. Mas vejo não só a aparição de cada vez mais restaurantes, cafés etc., dedicados ao veganismo, mas também, mais opções vegans em locais onde também se consomem produtos animais o que facilita, nem que seja ir de vez em quando jantar fora com os amigos.

Fernão: Ao contrário do que se possa pensar olhando para os nossos pratos tradicionais, Lisboa é uma cidade propícia ao veganismo tal como Portugal o é.

Tentas incentivar ou ensinar outros para que percebam e eventualmente sigam o teu modo de vida?

Constança: Não me sinto no direito de ensinar pessoas. Não gosto de impor as minhas ideias aos outros, e acredito que seja um processo pelo qual cada um deve passar mas que venha de si. O que faço, no fundo, é tentar ser o mais verdadeira possível, ou seja, concretizar os meus valores, ir de acordo com aquilo em que acredito, e aí espero servir de exemplo.

Fernão: Não, incentivar sim, mas só quando as pessoas começam a fazer as coisas pelo seu próprio pé. Ou seja, se já tiverem começado por vontade própria e, aí sim, terei todo o gosto em motivar, mas nada mais que isso. Ensinar, no entanto, não, a menos que alguém pergunte ou tenha dúvidas sobre como me alimento. Mas acredito que é uma coisa que parte de cada um e quando acontece deve ser aplaudida.

Que dicas tens para oferecer a quem quer ser vegan e não sabe por onde começar?

Constança: Paciência. A todos os níveis. Até com o nosso próprio corpo, não se pode cortar com todos os alimentos animais de uma vez e é importante darmos tempo ao nosso corpo para se habituar, ou melhor, desabituar deles.

Paciência face aos outros porque nem todos vão perceber desde início e muitos nem vão querer perceber. Acho que o que pode acontecer é sentirmos-nos desmotivados porém é sermos coerentes connosco mesmos, e ir criando uma nova dieta a pouco e pouco.

Outra coisa que acho muito importante é consumirmos produtos reais, biológicos, porque não podemos esquecer que se os alimentos não forem ricos em nutrientes mais facilmente o nosso corpo vai sentir falta de outros produtos e nunca vamos sentir que estamos a comer o suficiente.

Por último, falar sobre o assunto, mesmo que não seja com pessoas vegan, partilhar a experiência pela qual estão a passar, porque como em tudo precisamos de apoio.

Fernão: A primeira dica é fazer análises antes de iniciar o processo. Isto é porque há tipos de sangue que não se dão bem com o veganismo por exemplo.

Depois, ir ao nutricionista e claro ir largando os produtos animais que consome aos poucos e sempre substituindo por aqueles que eventualmente serão a base da alimentação vegetariana/vegan.

Qual o verdadeiro sentido de veganismo para ti?

Constança: Depois de todo este processo, para mim o veganismo é uma luta contra o consumismo. Não sei se vou ser vegan para sempre, mas posso dizer que tenho a certeza que enquanto sentir que esta realidade ainda é problemática, não planeio mudar o meu estilo de vida.

Fernão: Para mim o verdadeiro sentido do veganismo é a não agressão. A partir do momento em que é possível viver sem agredir, porque não o fazer? Acho que se arranjam muitas desculpas para pormos o prazer e o palato como prioridade, só porque sim, e acabamos por não pensar no que estamos realmente a fazer. Mas agressão directa ou indirectamente, para mim, nunca é justificável.

Deixaram-nos ainda 5 sugestões para ir comer fora.

Food Printz:

http://www.foodprintzcafe.com/pt/sobre/ 

Jardim dos Sentidos:

http://jardimdosentidos.com/  

PSI:

http://www.restaurante-psi.com/ 

Terra:

http://www.restauranteterra.pt/Terra/Bem_vindo.html 

Os Tibetanos:

http://tibetanos.com/ 

Bebidas vegan
Chá frio de mel, hortelã e cidreira. Sumo energético de espinafres, courgette, limão e laranja. (Créditos: Mafalda Mendes Pinto)

Conteúdo produzido por: Mafalda Mendes Pinto, João Marques, Guilherme Gonçalves e Francisco Monteiro, no âmbito da disciplina Comunicação Digital da licenciatura em Comunicação Social e Cultural na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa.