Rádio em Quarentena

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Covid19 é o surto que veio mudar os tempos, mas não as vontades. A rádio, face ao isolamento social, viu-se também ela obrigada a ficar de quarentena, mas isso não impediu que as salas de estar dos seus locutores se transformassem em estúdios. Assim, para não deixar os ouvintes à mercê do seu azar, as emissões começaram a ser, pela primeira vez na história, feitas a partir de casa.


Headphones a cobrir um microfone
A rádio continuou a desempenhar o seu papel fundamental de servir o público, mas agora num contexto diferente, a partir de casa. © Gonçalo Oliveira

Antes de decretado o Estado de Emergência Nacional, já a Rádio Renascença, a RFM e a Mega Hits estavam a transmitir as suas emissões fora do contexto habitual. Diz-se que não se deve levar trabalho para casa, mas numa altura em que o mundo se viu obrigado a fazê-lo, o Grupo Renascença foi verdadeiramente pioneiro. “Fomos o primeiro grupo de rádio a fazer as emissões integralmente em casa, sem termos um único animador em estúdio”, destaca José Luís Ramos Pinheiro, administrador do grupo. 

Do estúdio para a sala de estar

Desde sempre que o lugar sagrado das rádios é o estúdio, seja pela acústica das salas, a qualidade dos microfones ou a mesa de mistura. Reinventar a rádio nunca poderia ser conseguido unicamente por quem a faz; mas sim através de como é feita. Desde as “tecnologias de ponta”, à forçosa rapidez com que as mesmas tiveram que se adaptar à nova realidade, o administrador do grupo garante que “há 4 anos atrás era impossível fazermos aquilo que estamos a fazer agora, com este conforto e qualidade”.

Portáteis, microfone, headphones e mesa de mistura
José Luis Ramos Pinheiro, administrador do Grupo Renascença, conta que “os estúdios, na Quinta do Bom Pastor, são completamente digitalizados e, por isso, tivemos um conjunto de ferramentas que nos permitiram ir para casa”. © Alexandre Guimarães

No entanto, apesar de bem concretizada, esta mudança de paradigma veio acompanhada de “várias dificuldades”, entre as quais José Ramos Pinheiro destaca o contrarrelógio inicial.

“Se, efetivamente aparecesse na empresa um caso ou dois, – coisa que não aconteceu – as instalações, por ordem da DGS, teriam de ser evacuadas. E aí, o que é que faríamos? De repente, verificámos que tínhamos, muito provavelmente, de ir para casa. Foi assim que, em contrarrelógio, pusemos em marcha a operação Home Sessions.”

Plano em andamento, foi necessário “pôr tudo a mexer com grande coordenação”. José Ramos Pinheiro comenta que “foi enorme o nível de profissionalismo” de todos os que, num curto espaço de tempo, se viram “obrigados a reposicionar-se e a interiorizar” o facto destas emissões serem diferentes. Não só elogia o desempenho dos animadores e jornalistas, mas também dos “supervisores de emissão, que são uma espécie de anjo da guarda técnicos que não abandonaram as centrais”.

No entanto, para mover as massas foi também preciso mover os meios e “integrar todas as tecnologias necessárias”. Os microfones levados ao estúdio caseiro foram “especialmente selecionados para captarem exclusivamente a voz do animador, isolando-a de todo o meio ambiente que o rodeia”, independentemente da “acústica da sala, do quarto ou de qualquer outra divisão”. Esta minuciosidade na escolha veio garantir a qualidade a que a audiência estava habituada, contribuindo para um “conforto técnico e um conforto de escuta para os ouvintes”. 

Adaptação do conteúdo

Os desafios “do ponto de vista dos meios técnicos e dos meios humanos” foram grandes, assim como foi a adaptação do conteúdo, tanto a nível da informação, como do entretenimento.

“Há muito desconhecimento sobre esta doença, sobre as suas diferentes consequências. Por isso, encontrar pessoas e fontes credíveis para uma situação que é nova a todos, para as suas questões e o seu aprofundamento, é difícil”

No entanto, não foi somente a “insegurança informativa” que desencadeou uma “mudança em termos de pesquisa”. A globalização do vírus também exigiu a procura de notícias “das várias partes do mundo”, de modo aos ouvintes terem sempre presente a evolução do surto a nível não só nacional, mas internacional. Em contrapartida, José Ramos Pinheiro admite que, dada a dimensão do contexto, o “foco fica demasiadamente afunilado nessa situação”, mas garante que “a rádio procura um tratamento informativo mais diversificado e menos massacrante”, tendo sempre em vista “os lados positivos e úteis das situações”.

Quanto ao entretenimento, Alexandre Guimarães, da Mega Hits, partilha que a sua experiência tem sido, “sem dúvida, positiva”, apesar de por vezes, a criatividade estar condicionada. “Ser locutor de rádio não deixa de ser um cargo super criativo”, destaca, “e ter ideias fechado dentro de quatro paredes durante muito tempo não é assim tão fácil”. Segundo José Ramos Pinheiro, existe, de facto, “um esforço suplementar de imaginação”, mas, ainda assim, os animadores “têm sabido desencantar coisas absolutamente novas e originais”. 

A reinvenção da rádio

Alterado o contexto dos profissionais e do seu público alvo, a rádio viu-se obrigada a reinventar-se. Reinvenção essa que passou por, não só adaptar conteúdos já existentes, mas criar formatos verdadeiramente inovadores. “O que é muito importante na rádio é manter a sua capacidade de surpresa em alta” e isto fez perceber que os ouvintes, vendo a sua condição alterada, passaram também a precisar de “outro tipo de estímulos”. Neste sentido, o Grupo Renascença teve que “improvisar – e com sucesso – em diferentes programas”.

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“Alguém se lembraria de fazer uma corrida de caracóis em rádio como o Café da Manhã fez?” pergunta José Luis Ramos Pinheiro, administrador do Grupo Renascença, “Ninguém se lembraria de uma parvoíce deste género!”, realça. © Matilde Ortigão

“A rádio sempre foi um meio imaginativo. Por um lado, vive da imaginação de quem faz; por outro, da imaginação de quem ouve. Existe aqui uma cooperação das duas imaginações. Por isso, a tentativa de um animador de rádio é sempre conectar a sua imaginação com a imaginação do público”

Devido a esta “relação one to one”, o processo de dar forma aos conteúdos passou a contar, ainda mais, com a colaboração de quem ouve. Salvador Martinha, por exemplo, pediu aos seguidores do instagram da RFM, que desenvolvessem com ele ideias para a sua rubrica, Stand Up na Hora. Já a Mega Hits, depois de dar asas ao projeto Home Music Edition, que contou com concertos livestream de vários artistas, deu também oportunidade a talentos, até àquele momento anónimos, de se inscreverem e participarem no programa digital.

Renascença:

  • No Ar – Ana Galvão, sempre acompanhada por um convidado, entra em direto no instagram da Renascença de 2ª a 6ª a partir das 21h;
  • Prisão Domiciliária – Rubrica com Joana Marques em formato IGTV, em que a locutora mostra como tem sido a sua experiência em casa;
  • A Hora da Júlia – Retorno de Júlia Pinheiro à rádio, de 2ª a 6ª das 23h às 00h na Rádio Renascença. É dada oportunidade aos ouvintes de partilharem as suas comoventes histórias de vida.

RFM:

  • Café da Manhã Home Edition – 2ª a 6ª feira, das 7h às 10h, aquele que agora “é também um programa de televisão” conta com várias surpresas em direto no facebook, youtube e página oficial da RFM;
  • Cara Podre – agora em formato digital, a rubrica não deixa de “trazer” celebridades ao programa.

Mega Hits:

  • Feed Notícias – Ana Pinheiro e Inês Nogueira continuam, ainda que à distância, a fazer um resumo da atualidade nas redes sociais da Mega Hits;
  • Snooze (às 10h), Não é Tarde nem é Cedo (15h30) e Catarina Palma (às 20h) – Todos os dias em direito no youtube, facebook e página oficial da Mega.
A missão da rádio na pandemia

A aposta nas plataformas digitais veio “reforçar aquilo que já é uma tendência” e, apesar da “adesão a este tipo de investimentos editoriais” ter sido grande, “as rubricas só têm sentido manter enquanto fizerem sentido para o público”, esclarece o administrador. No entanto, “seguramente, a partir daqui, vamos conseguir fazer mais coisas e ousar ainda mais na localização das nossas emissões” futuras.

Mudaram os tempos, mas não as vontades. Vontades essas que se refletem na “necessidade de servir o público”, porque a rádio tem “a particularidade de viver com as pessoas”. Hoje, em tempo de pandemia, é necessário, “até para o equilíbrio da sociedade” ter “entretenimento, lazer e alguns momentos de descontração e distração”. Por isso, a rádio tem de estar onde o público está, “sem ser intrusiva”, cumprindo da melhor forma a sua função.

“A missão da rádio no meio da pandemia é acompanhar, como sempre; informar com utilidade, sem massacrar; entreter, viver com as pessoas, dar-lhes motivo de esperança, de alegria. Porque a rádio sem um sorriso não é rádio.”


Conteúdo produzido por Afonso Bento, Catarina Delgado, Gonçalo Oliveira, Laura Fernandes, Matilde Ortigão e Matilde Prata, no âmbito da disciplina de Comunicação Digital da licenciatura em Comunicação Social e Cultural.