Tradição é cultura e deve ser prezada por todos. Em Portugal, os restaurantes tradicionais sentem a cada ano a descredibilização da tradição gastronómica. A pandemia da COVID-19 veio acelerar este processo e levar muitos dos restaurantes ao fim da linha. Com a mediatização e a globalização a tradição perdeu importância e todos os setores se ressentem com essas alterações. Maria do Céu Machado, gerente de um restaurante tradicional na zona de Lisboa, dá-nos a sua opinião sobre esta pandemia gastronómica que se vive em Portugal.
O problema da tendência
Hoje em dia a escolha não é difícil, e existe o desejo constante de estar a par das tendências e seguir os exemplos do que vemos nas redes. Infelizmente, este é um dos problemas em Portugal: a escolha de uma cadeia dos chamados “Restaurantes do Instagram” em detrimento dos restaurantes que detém realmente alguma cultura e familiaridade portuguesa.
Em conversa com Maria do Céu Machado – sócia gerente do Restaurante Mar do Guincho e Meste-Zé e gerente do Restaurante Faroleiro – conseguimos perceber o porquê de esta situação se revelar um problema que não é problema.
“A cultura de Portugal, pelo menos em termos de gastronomia está a morrer. Para além dos clientes habituais, famílias que nos visitam regularmente e há vários anos, só nos defrentamos com turistas.”
“Seria um problema se tivesse solução, mas não tem. A cultura de Portugal, pelo menos em termos de gastronomia está a morrer. Para além dos clientes habituais, famílias que nos visitam regularmente e há vários anos, só nos defrentamos com turistas. Os turistas têm sido, e serão cada vez mais, quem salva minimamente a nossa cultura, a nossa gastronomia.” Sobre a questão das redes sociais, o seu poder e influência mostra-se inigualável nesta questão. Mas o sucesso nas redes sociais é difícil para estabelecimentos deste calibre, a promoção e marketing gratuito que toda uma amostra de seguidores de outros estabelecimentos não existem para restaurantes tradicionais portugueses. Porquê? Porque não são uma novidade, já conhecemos. É algo certo e dado como garantido que sempre estará presente. E esta ideia não podia estar mais errada. Pois um dia, estes estabelecimentos já não vão estar abertos para alguém que queira matar saudades de uma boa comida portuguesa.
Covid-19: início de um fim?
Covid-19, o problema de 2020. A pandemia veio mudar, e de certa forma piorar, a nossa vida em vários aspetos desde a economia até à simples forma como saímos de casa. Como seria de esperar, o impacto do vírus sobre o comércio, restauração, e economia no seu todo foi imenso. Maria do Céu deu nos alguma luz sobre como foi notado esse impacto.
“Quando a Covid apareceu, não tínhamos noção de que forma nos ia afetar. Quando os casos começaram a aumentar, foi aí que tudo apertou.”
“Quando a Covid apareceu, não tínhamos noção de que forma nos ia afetar. Quando os casos começaram a aumentar, foi aí que tudo apertou. A quebra na faturação e clientes começou no início de março. Como não sabíamos o que ia acontecer, a empresa resolveu dar férias a todos empregados nos últimos quinze dias de março. Tendo posteriormente sido decretado pelo Estado o fecho de quase todas as atividades. Quando reabrimos em maio, até se trabalhou razoavelmente mas as quebras permaneceram até ao verão. Porque o turismo não veio e os nossos clientes são 60% turistas. Depois na segunda vaga, o comércio morreu.”
A base desta problemática é a pouca ajuda que os restaurantes tradicionais detém, tanto do Governo numa situação como a que estamos a passar neste momento, como de todos os consumidores possíveis que mediante as suas escolhas de onde e o que consumir, fazem com que a cultura e o tradicional português esteja cada vez menos presente no comércio e nas escolhas habituais do consumidor.
Nenhuma plataforma, ou estratégia de marketing vai salvar a cultura e tradição portuguesa. Aliás, como foi também referido por Maria do Céu, só o apoio e comportamento dos turistas tem permitido a não extinção, ou extinção tardia da cultura e tradições portuguesas, não só pela parte da restauração.
O mais tradicional português
A restauração portuguesa, mas principalmente os restaurantes em questão foram fundados há mais de 30 anos. A ementa pouco mudou, e os empregados a mesma questão, apesar da sua estrutura, arquitetura e ambiente estar claramente com um ar moderno. A sua localização também é um dos fatores que os torna um local ideal para qualquer pessoa visitar, por estar bastante perto do mar. A ligação entre a ementa, estrutura interior e exterior do restaurante também estão muito ligados à sua localização e história do local. Não é coincidência nenhuma que ao estar tao perto do mar, a base da ementa e a promessa da sua cozinha é o peixe fresco, por instância.
A promessa da restauração portuguesa
É importante perceber que qualquer restaurante tem a mesma base e faz as mesmas ofertas:
- Espaço e comida acolhedora;
- Serviço de excelência e, mais uma vez, acolhedor;
- Segurança e qualidade na cozinha;
- Continuação da tradição.
Entre estas, não existe, por norma, a promessa de inovação. E segundo Maria do Céu, “a nossa falha, talvez, poderá ser a falta de espaço para novas ideias, novas ementas, novos cozinhados. A vontade de nos mantermos verdadeiros à tradição e de a tentar manter viva, a vontade de manter o orgulho português, tem sido um travão para a inovação dentro da tradição.” Mas talvez esta seja a possível estratégia de salvação de algumas tradições portuguesas: a mudança e inovação. A mudança, não dos valores e morais oferecidos pela cultura que está tao intrínseca na nossa comunidade, mas sim da forma como eles estão expostos ao público-alvo.
Nos próximos anos, e muito devido à pandemia vivida nos últimos tempos, a restauração portuguesa vai continuar a viver sobre uma grande pressão. Talvez seja esta pressão o fator necessário para a sua melhoria e crescente sucesso.
Foto de capa: Antonio Mendes por Unsplash
Conteúdo produzido por Ana Teresa Pereira, Gonçalo Saraiva, Dália Gonçalves e Mário Moreira no âmbito da UC de Comunicação Digital da licenciatura em Comunicação Social e Cultural.