Pistris: Um Monstro de Atualidade

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Pistris (Tubarão, Eu?) é uma peça escrita e encenada por Adriana Sá Couto. Com 21 anos aceitou o desafio de um dos seus professores da Estal e concorreu a um prestigiado concurso de teatro com a sua peça. Com a candidatura enviada e posteriormente aceite com distinção, teve a oportunidade de apresentar o seu primeiro trabalho homónimo no Porto,  no Festival SET, no dia sete do sete às sete.  O Digital Hub esteve à conversa com ela e com um dos atores desta peça, Pedro Gonçalves.


Atores em palco, em três cenas bastante emotivas da peça
Três cenas da peça repletas de emoção e irreverência, fortalecendo o fator invulgar da mesma. Imagem cedida por Adriana Sá Couto.

O Teatro, a música, a escrita e a pintura são as grandes paixões de Adriana Sá Couto. Tem formação em teatro e jazz. Atualmente tem uma banda de blues mas hoje viemos descobrir o misterioso mundo da peça que desenvolveu. Vê o teatro como uma arte “sem fronteiras” em que tudo é possível e é em cima do palco onde se sente melhor. Numa conversa descontraída, que por vezes despoletou alguns desabafos filosóficos,  contou-nos a experiência de apresentar o seu projeto no Festival SET.

Digital Hub: Como qualquer encenador, dramaturgo ou ator, o material biográfico e as experiências pessoais influenciam de certa parte os projetos que realizam. Fala-nos um pouco da tua experiência, como é que chegaste ao teatro?

Adriana Sá Couto: Quando era pequena pensava que podia brincar para sempre e mais tarde, quando me comecei a aperceber que não, descobri que o teatro nos dá a opção de sermos adultos e ao mesmo tempo, quando subimos ao palco poder fugir e voltar a ser uma criança, a ser o que eu quiser. O melhor conselho que já recebi veio por parte de um grande realizador que me disse, “nunca deixes de brincar”.

Comecei a fazer alguns teatros amadores na escola, a paixão foi crescendo e decidi ir para uma escola de teatro musical e terminei o ano passado o curso em artes performativas na ESTAL.

DH: A peça Pistris, escrita, encenada e na qual também participas enquanto atriz, foi o teu primeiro trabalho homónimo no teatro apresentado publicamente. Fala-nos um pouco sobre o tema da peça e como é que ela se desenvolve em palco.

ASC: Eu diria que o Pistris é uma crise da humanidade. Esta humanidade está representada por 5 personagens (jogadores) que procuram ser veículos da humanidade e por isso as suas crises individuais representam as crises de todos nós.

Em palco é possível definirmos 4 quadros de desenvolvimento da peça. Um primeiro quadro onde os indivíduos se debatem sobre o que foram durante as suas vidas e são submetidos a um jogo em que são colocadas questões e uma entidade superior responde positiva ou negativamente às respostas dadas. O segundo quadro surge quando fica apenas um jogador em cena após o tal jogo. Este jogador tem um monólogo frenético debatendo-se consigo mesmo, refletindo a cerca do que já foi e do que nunca conseguiu ser. No terceiro quadro entra um bailarino em cena e no quarto e último quadro, todas as personagens regressam “resgatando” o jogador que que estava em conflito consigo mesmo.

“Sem estar nada à espera fui aceite no festival. Tivemos apenas um mês para reunir atores, ensaiar e preparar tudo. Tinha que acontecer e aconteceu!”, Adriana Sá Couto, dramaturga, encenadora e atriz.

DH: Como é que surgiu a oportunidade e como é que viveste toda a experiência de teres a tua peça no festival SET?

ASC: Foi um professor da ESTAL que me falou do concurso e disse para eu participar. Eu não tinha nada escrito, não tinha nenhuma ideia pensada, mas decidi enviar a candidatura com uma “pseudo-sinopse” a partir de umas ideias solta. Sem estar nada à espera fui aceite no festival. Tivemos apenas um mês para reunir atores, ensaiar e preparar tudo. Não me arrependo nada dessa falta de tempo. É obvio que houve coisas que teriam corrido melhor com mais tempo, mas a verdade é que foi uma experiência muito intensa. Só tínhamos que ter tudo pronto no dia 7 do mês 7 no festival SET. Tinha que acontecer e aconteceu!

Em relação ao festival, considero que foi uma experiência muito positiva porque nunca tinha vivido algo do género, mas é um festival académico e é que tenha as suas falhas e limitações. Fomos recebidos de uma forma muito boa e sentimo-nos muito super bem-vindos. Conhecemos pessoas incríveis que dão oportunidades a pessoas como eu, ainda não reconhecidas no mundo do teatro.

DH: Fala-nos um pouco do elenco da tua peça. Como é que foi feita a escolha dos atores e em que ponto surge a decisão de tu própria fazeres parte do elenco?

ASC: Eu já tinha alguma confiança a nível artístico com alguns colegas da ESTAL e por isso criei logo um grupo com algumas pessoas da minha turma. Tive algumas desistências e houve uma das personagens (o jogador 5) que passou por 3 pessoas diferentes até chegar ao nosso ator atual. Deu algum trabalho, mas estou muito satisfeita com o grupo.

Apercebi-me que tinha de fazer parte desta peça enquanto atriz porque deixei uma das personagens para o fim pois era a única que não contracenava com ninguém. Preocupei-me em preparar as outras 4 personagens com o maior rigor possível. O texto da minha personagem era o maior e como tinha sido eu a escrevê-lo decidi interpretá-lo eu mesma.

 DH: Achas que ao teres trabalhado com atores ainda em formação, não tecnicamente viciados, tiveste mais liberdade para explorares com eles o texto?

ASC: Sim, sem dúvida. Inicialmente questionei se isso seria um problema enquanto encenadora. Pensei que se fossem atores com mais experiência seria mais fácil, pegariam no texto e iam transformá-lo tornando-o melhor, mas ao longo do processo apercebi-me do contrário. Percebi que precisava de atores que me conhecessem bem para entenderem o texto e que se envolvessem de tal forma que acabassem por “viver com ele”.

Não precisava de atores com experiência, mas sim de pessoas dispostas a moldarem-se pelo meu propósito.

DH: Como é que é o teu método de trabalho com os atores?

ASC: A verdade é que a questão de eu ser a dramaturga e encenadora ao mesmo tempo foi por vezes complicado e até estranho. Às vezes sentia que precisava de ter um segundo olho, outra forma de ver o texto, mas acabou por ser um processo muito criativo. Um dos atores veio ter comigo e disse-me que era muito interessante eu ser a encenadora e a dramaturga ao mesmo tempo porque possibilitava aos atores perguntar coisas do género o que é que tu querias mesmo dizer quando escreveste isto?. Enquanto ao processo de encenação da peça, foi algo muito em equipa, estivemos sempre juntos nas principais decisões.

“Tenho-me apercebido que o teatro em Portugal é brutal. A língua portuguesa é incrível e existem dramaturgos que a exploram de uma forma genial.”, Adriana Sá Couto, dramaturga, encenadora e atriz.

DH:  Que estilo de teatro te vez a fazer, seja como encenadora, dramaturga ou atriz?

ASC: Como dramaturga tenho a sensação que estou a convergir mais para a escrita de teatro absurdo. Como encenadora, pela primeira vez comecei a aperceber-me de alguns vícios, manias ou até mesmo marcas que tenho, como o olhar a forma de andar etc… Gostos pessoais que qualquer pessoa tem,  e estou ainda à procura desse tal estilo mais específico. Enquanto atriz… tudo e mais alguma coisa!

DH: Qual é o futuro do Pistris?

ASC: O Pistris está a passar por uma fase complicada porque o grupo está algo disperso, mas temos objetivos traçados. Há muita coisa no texto que quero mudar, tive críticas ótimas, mas também tive críticas negativas e sei que posso melhorar o texto, tenho muitas ideias! Em termos mais práticos temos algumas oportunidades muito boas. Conhecemos algumas pessoas no festival que nos falaram na possibilidade de apresentar o Pistris em Espanha e noutros países. Mas o meu principal objetivo é definitivamente, apresentar o Pistris em Lisboa.

DH: O número de espectadores nas salas de teatro tem vindo a diminuir com o passar dos anos. Como é que vês o teatro em Portugal hoje em dia? E que poder acreditas que tem o teatro como arma de intervenção política, social, filosófica etc…?

ASC: Eu não gosto que as pessoas digam que o teatro está muito mau em Portugal, porque não é verdade. O público sim, está muito mau em Portugal. Tenho-me apercebido que o teatro em Portugal é brutal. A língua portuguesa é incrível e existem dramaturgos que a exploram de uma forma genial. Existem imensos movimentos de teatro muito interessantes, Portugal está muito evoluído a nível artístico. As pessoas não têm o hábito de ir ao teatro e não consigo perceber porquê. As pessoas têm uma noção de teatro que não é de todo representativa da realidade.

Em relação à outra questão, a verdade é que o teatro é a forma de arte mais direta possível. Temos o exemplo do Brecht que era médico, mas apercebeu-se do poder do teatro e “usou-o” como forma de intervenção a vários níveis. Apercebeu-se que o teatro é uma forma muito eficaz de educar o povo em todas as formas, seja a nível politico, pessoal ou filosófico porque a verdade é que no teatro estamos a pôr pessoas reais a ver pessoas reais a sentir coisas reais.

 

Três cenas fortes e simples da peça
O poder transmitido pela simplicidade de um homem em palco ou de apenas um balde, intrusado com um efeito de luz e fumo tocante. Imagem cedida por Adriana Sá Couto.

Pedro Gonçalves tem 22 anos e estuda jazz no Hot Clube Portugal. Tem vários projetos musicais enquanto baterista que abrangem estilos desde o blues, passando pelo rock e pelo jazz. Na interpretação tinha participado apenas em alguns teatros amadores mas a sua personalidade encaixou quase na perfeição na personagem que interpreta. Aceitou o desafio e em três semanas tornou-se ator, fazendo parte do elenco do Pistris e deu-nos alguns pormenores dessa experiência.

Digital Hub: Como é que surgiu a oportunidade de integrares o elenco do Pistris? Qual foi a tua primeira impressão do texto?

Pedro Gonçalves:  Fui ver um dos primeiros ensaios do Pistris e uma das atrizes da peça saiu mais cedo porque tinha algo para fazer. Entretanto um amigo meu e da Adriana sugeriu que lê-se o texto na brincadeira para a Adriana ouvir. Já tinha tido algumas experiencias no teatro com pequenas peças na escola, mas nada de muito séria. A Adriana aparentemente gostou e acabei por ficar com o papel! A primeira vez que li o texto apercebi-me que era muito complexo, cheio de emoções e até algo esquizofrénico, muito intenso mesmo. Tive logo a noção que ia ser um desafio muito difícil, mas entusiasmante.

DH: Não tens formação em teatro, como é que foi esta primeira experiência?

PG: É verdade (risos). Eu sou músico e em três semanas tive que me tornar ator. Foi muito trabalhoso, mas não me arrependo e vejo-me a fazer algo deste género no futuro.

“Acho que um bom artista tem que estar aberto a todos os tipos de arte para ser melhor na sua arte em especifico”, Pedro Gonçalves, ator e músico.

DH: Como foi subir ao palco do festival SET?

PG: O facto de não ser ator e ter a responsabilidade de abrir a peça em palco, foi uma pressão extra, estava super nervoso e lembro-me de estar a repetir freneticamente a minha primeira fala, mas assim que ela saiu vivi o resto do texto como se fosse meu. Adorei estar em palco, foi uma das melhores experiências que já vivi.

DH: Achas que deveria haver espaço para mais festivais deste género?

PG: Definitivamente. Tem que haver mais iniciativas deste género a apoiar o teatro português e o teatro amador. Temos muito talento em Portugal.

DH: Consideras importante ver a arte como um só, ou seja, acreditas que um artista deve estar aberto para experiências na representação, na pintura, na escrita, na música etc?

PG: É uma questão interessante. Cada arte tem os seus dogmas e formas de expressão por isso acho que todas as artes acabam por se tocar num certo ponto. Acho que um bom artista tem que estar aberto a todos os tipos de arte para ser melhor na sua arte em especifico. Por exemplo, sinto que o facto de ser baterista me ajudou imenso como ator ao nível do ritmo e do sentido da peça. E sinto que esta experiência no mundo da interpretação me ajudou, sem dúvida alguma, a ser melhor músico.

Pistris (Tubarão, Eu?) é uma peça envolvente do inicio ao fim. Foi desenvolvida por uma ambiciosa artista e pelo seu grupo, que apesar de muito jovens, ganharam um lugar no mundo da representação. O principal objetivo é apresentar o projeto em Lisboa e o Digital Hub vai certamente manter-se atento a este “Monstro de Atualidade”.


Fotografia de capa: Image by Maltingsberwick, Wikimedia Commons is licensed under CC BY-SA 3.0


Conteúdo produzido por Catarina Martinho, Diogo Dá Mesquita, Duarte Laranjo, Filipe Teixeira e Luís Reis, no âmbito da disciplina de Comunicação Digital da licenciatura em Comunicação Social e Cultural.