Como criar uma audiência

Ter quem nos oiça é uma necessidade com que nos identificamos facilmente e um critério cada vez mais necessário nas carreiras profissionais. Compreender como ganhar a atenção das pessoas passa por entender as práticas e o percurso de Influencers como a Matilde.


Com uma capacidade média de atenção de 8 segundos, não é surpresa que “influencer” seja uma palavra tão comum nas nossas conversas. Todos nós temos apenas 8 segundos para conquistar alguém, para passar uma mensagem, para vender um produto e… acabou o tempo, assim em duas frases passaram 8 segundos. Saber criar uma audiência é uma “skill” cada vez mais importante em inúmeras áreas de trabalho: política, marketing, jornalismo, entretenimento ou empreendimentos (como no caso da PorqueRaio). É seguro dizer que, se envolve pessoas, envolve audiências, por isso coloca-se a questão “Como é que garantimos a atenção de uma audiência?”

Os influencers vêm ao pensamento enquanto peritos em audiências, são figuras que nos atraem e, quer sintamos amor, ódio ou mesmo indiferença, o facto é que acabamos a falar deles “Olha, conheces a Matita?” (Sim, é ela nas fotos, mais conhecida por Matilde Anjos). Uma rapariga que, apesar de ser inegavelmente empreendedora, tem os seus gostos e irritações particulares e não é diferente de outra pessoa qualquer. Ainda assim, a Matilde aos 20 anos tem mais de 30 mil seguidores no Instagram. Uma audiência maior que o número de pessoas que cada um de nós vai ter o prazer de conhecer durante o decorrer de uma vida. Há esta ambiguidade com influencers, parecem-nos distantes e ao mesmo tempo identificamo-nos com eles. Reconhecemos algo de especial, mas temos dificuldade em compreender o que fazem de diferente.

Falámos com a Matilde com o objetivo de entender a ilusiva figura Influencer. Como é que ela criou uma audiência e o que podemos aprender com ela? A Matilde, desde nova, já tinha o gosto de publicar partes da sua vida, que é mais do que comum hoje em dia, é a norma, mas ela nunca passou por um problema igualmente comum. O de sentir que não tinha seguidores suficientes. Aos 17, antes de passar o cobiçado número de 10 mil seguidores ainda tinha dúvidas quanto à validade do seu conteúdo, mas a certa altura apercebeu-se, a partir das interações positivas que recebia e mensagens a pedir conselhos, que “efetivamente o que estou a fazer tem algum efeito, senão não me seguiam”. É simples e catártico, trata-se de respeitar as decisões da audiência. É evidente que a Matilde ouve a sua audiência enquanto pessoas individuais e assume uma relação bidirecional. Criar uma audiência não pode ser um fim em si.

Para aumentar o alcance digital, começa-se por melhorar a relação com a audiência atual. Por exemplo, durante o confinamento do Covid, a Matilde adaptou o seu conteúdo consoante o feedback da audiência e ao que ela própria queria fazer, “as pessoas queriam mais conteúdo de exercícios em casa e alimentação saudável” (quem nunca!). Esse equilíbrio de tanto ela como os seguidores estarem genuinamente interessados nos mesmos tópicos cria uma boa relação entre influencer e audiência, gera mais interesse e engagement que atrai mais seguidores e evita o sentimento de obrigação. As próprias marcas, diz ela, procuram formar parcerias com os influencers que permitam maior liberdade criativa, porque sabem que é a relação genuína entre criador e audiência que vai ser mais eficaz.

É natural ambicionarmos a uma grande audiência e é frequente ouvir bitaites carregados de um sentimento de obrigação. O pensamento erróneo dos se’s, se eu fizesse isto, se eu tivesse aquilo, se eu fosse assim… Não há uma fórmula para, dito simplesmente, ser interessante. Sim, de facto há questões de eloquência e de dicção, mas por essa lógica todos os professores de Português seriam influencers. Falar com a Matilde sobre a audiência e o conteúdo que produz é um prazer, somos contagiados pelo gosto que ela tem pelas coisas que faz. Coincidentemente ela observa, “as stories e os lives onde falo com as pessoas são o conteúdo que mais gostam”. Há uma intimidade e naturalidade, apoiada numa base técnica desenvolvida ao longo do tempo, que ganha a nossa atenção. “Como tenho tanto gosto naquilo, quero que fique bem feito”. É mais eficaz canalizar as nossas paixões de modo a que, aumentar a qualidade do conteúdo ou a força da mensagem, venha sem esforço.

Com a Matilde nota-se ainda uma forte componente de storytelling. O clímax de ir comprar umas botas novas não é por acaso. “É preciso dar um cheirinho do que está para vir”, diz ela, com o mesmo entusiasmo que nós sentimos quando vamos ao site ver se a nossa entrega já chegou. A história das botas já vem do início do Inverno, um desejo de ter um calçado apropriado, pedir conselhos sobre onde arranjar as botas ideais, reservar, marcar na agenda e esquecer a data, correr à loja à última hora e, finalmente, a felicidade de ter as botas na mão. Ou pode ser assistir ao progresso do treino da Moca, a égua mais adorável de sempre. Seja o que for, a audiência liga-se a uma narrativa e fica investida no que se segue. Ajuda a Matilde ser extremamente organizada, uma boa organização faz com que a relação com a audiência seja coerente e linear.

Este nível de exposição traz imensa vulnerabilidade, com a qual é preciso estar confortável. Em momentos menos bons, ela confessa, “sinto que tenho de corresponder às expetativas das pessoas”,mas as dificuldades também fazem parte e a preocupação dela continua na sua audiência, “tenho de as tornar presentes naquilo que eu quero partilhar”.

Para a Matilde, criar uma audiência é um processo prazeroso, mas ponderado, que complementa os objetivos dela, na forma de criar uma plataforma onde pode comunicar as suas mensagens ou na forma de empreendimento através do rendimento do atelier curado a um público interessado em comprar os produtos dela. Nesse processo podemos encontrar imensas questões com que nos relacionamos e inspiração para os nossos próprios objetivos e desafios.

Quando disse que ela não era diferente de outras pessoas estava errado. Por mais que nos identifiquemos com alguém, não há duas pessoas iguais e é exatamente o facto de ela se manter fiel a si mesma que a torna atraente para um número tão grande de pessoas. Para garantir que nos ouvem, temos de assumir quem somos e não podemos ter medo de o partilhar com outras pessoas.


Conteúdo produzido por Gonçalo Mourato, Diogo Camarada, Beatriz Costa, Joana Correia, Catherine Neves e Constança Silva no âmbito da disciplina Comunicação Digital das licenciaturas em Comunicação Social e Cultural da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa.